O Espetáculo reflete sobre talento, beleza, valores morais e a cultura do cancelamento no universo artístico
Com texto de Rogério Corrêa e direção de Isaac Bernat, a peça se inspira na vida e na obra de um dos mais importantes pintores do impressionismo para discutir questões contemporâneas da arte e da cultura
Em cena, estão os atores Isio Ghelman, Clara Santhana e Izak Dahora
A beleza de uma obra de arte é mesmo eterna? Ou pode ser definida pelo seu tempo? Como julgar um artista do passado com os valores do presente? As reflexões sobre os limites da cultura do cancelamento e a influência das atitudes de um artista no seu legado motivaram a criação de “Renoir – A beleza permanece”, espetáculo que estreia dia 7 de outubro, no Teatro do Masp, em São Paulo. Com texto de Rogério Corrêa, direção de Isaac Bernat e idealização e produção de Jenny Mezencio, a peça é uma ficção inspirada na vida e na obra do Auguste Renoir (1841-1919), um dos mais importantes pintores do impressionismo francês. A montagem tem curta temporada, até 16 de outubro, com sessões de quinta a sábado, às 20h, e aos domingos, às 18h. O espetáculo é apresentado pelo Ministério do Turismo com patrocínio da Lavoro Agro.
Um dos principais integrantes do movimento impressionista, ao lado de Claude Monet e Edgar Degas, Renoir é autor de mais de 4 mil obras, que ficaram conhecidas pelo otimismo, pelas cores vibrantes, e pela celebração do prazer. Paradoxalmente à alegria de seus quadros, o artista enfrentou grandes obstáculos na carreira, como dificuldades financeiras e uma artrite progressiva nas últimas décadas de vida. Também sofreu críticas mais recentes por objetificar o corpo das mulheres e por atitudes machistas ao longo da vida. Em 2015, foi criado o movimento Renoir Sucks at Painting (Renoir Pinta Mal, em tradução livre), que pedia a retirada de pinturas do francês dos museus. “Além de contar a vida de Renoir, a peça discute a validade de se tentar compreender uma figura do passado. Através do grande mestre da pintura, exploramos a validade de se continuar a admirar a obra de um artista que tenha cometido atos moralmente condenáveis de acordo com nossos valores atuais”, explica o autor Rogério Corrêa, que escreveu o texto a partir de extensa pesquisa sobre o tema em livros e palestras.
A história começa com uma palestra da curadora de arte Lúcia Cohen, com o tema “Renoir, a beleza permanece?”. Ao conhecer Dereck Jameson, um ativista americano, líder do movimento “Renoir Não Sabe Pintar”, ela é convidada para um debate em uma emissora de rádio sensacionalista sobre a importância do pintor impressionista. Ao mesmo tempo, a personagem tem conversas imaginárias e questionadoras com o mestre da pintura. No elenco, estão Isio Ghelman (Renoir, Renoir Criança e radialista), Clara Santhana, que vive Lúcia, Lise Trehot (modelo e amante de Renoir) e Berthe Morrisot (pintora e amiga de Renoir) e Izak Dahora, que interpreta Dereck Jameson, o pai de Renoir, o chefe de Renoir criança e o pintor Basille.
“O texto é muito interessante porque, ao mesmo tempo em que resgata a trajetória brilhante de Renoir, leva à cena suas contradições e muitas questões que permearam o seu trabalho. Com isso, temos um grande debate sobre a criação artística”, observa o diretor Isaac Bernat. “Originalidade, cancelamento e a relação do artista com sua obra são alguns dos temas que permeiam a peça”, completa. “A discussão é séria. Até que ponto as escolhas de vida interferem ou devem interferir na maneira como o público aprecia e recebe as obras de um artista? Eu interpreto Renoir, um apaixonado pela pintura, que pintou todos os dias da vida dele, que se alegrava de nunca ter pintado um quadro triste. É um desafio”, comenta o ator Isio Ghelman.
Os três atores, que vivem diferentes papéis, comentam que o interessante é que os principais personagens apresentam suas verdades e incoerências. Nenhum deles está totalmente certo ou errado. “O Dereck James é um personagem muito instigante. Ele é um ativista, um militante cultural e um performer. Suas discussões são muito pertinentes neste momento, como os limites institucionais da arte, quem outorga o que é arte e quem determina o valor de cada obra, passando por reflexões sobre raça e gênero. Qual a cor do mercado de arte?”, questiona o ator Izak Dahora. “O interessante é que, ao fazer um recorte da vida de Renoir, a gente consegue refletir sobre temas contemporâneos da arte. Em suas conversas com o pintor, minha personagem vai questionar episódios da vida dele e trazer para a discussão a objetificação do corpo feminino na pintura”, acrescenta a atriz Clara Santhana.
O cenário idealizado por Doris Rollemberg apresenta áreas desenhadas que representam um museu e sua área externa. O videografismo de Rico e Renato Vilarouca completam o ambiente, com criações autorais e imagens de quadros de Renoir. Também fazem parte da equipe criativa os figurinistas Ney Madeira e Dani Vidal, que misturam elementos de época e contemporâneos, o iluminador Aurélio de Simoni, o diretor musical Charles Kahn e o diretor de movimento Toni Rodrigues.